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MULHERES NOS QUADRINHOS

O mercado de quadrinhos no Brasil é bastante diverso e identificar um público alvo das publicações é uma tarefa complicada que pode começar a ser desenvolvida ao compreender a dimensão das HQs e suas peculiaridades. Ao pensar em histórias em quadrinhos automaticamente a primeira relação que é traçada são com as histórias de heróis, até mesmo pela onda de filmes baseados neste gênero que estão em alta.

 

Contudo, por meio dos quadrinhos, é possível contar histórias de todo o tipo e que atrai um público heterogêneo. Janaina de Luna, editora chefe da Mino, editora especializada na publicação de quadrinhos, expõe a diversidade do público consumidor ao comentar sua experiência na área editorial. “Existem vários perfis, vários públicos consumidores que estão neste segmento. O perfil de quem consome quadrinho Turma da Mônica é um perfil totalmente diferente de quem consome quadrinho de super-herói, que é diferente de quem consome graphic novel europeia, que é diferente de quem consome quadrinho alternativo”, conclui Janaina.

 

Dentre o público consumidor de HQs é possível identificar os leitores eventuais que lêem como passa tempo e costumam consumir histórias mais populares. Os exaustivos que têm preferência por HQs a outros gêneros de leitura, lêem em outras línguas e possuem vasto conhecimento. Os seletivos que têm preferência por gêneros específicos, costumam colecionar e fazer relação com outros meios de comunicação de massa. Os fanáticos que têm as outras características, mas que a levam a extremos, conhecem detalhes minuciosos, possuem histórias e personagens favoritos, criam fã clubes e defendem aquilo que acreditam com paixão. Além de identificarmos também os pesquisadores que estudam as características das HQs e as relacionam com fatores socioculturais e econômicos da sociedade e os colecionadores que possuem acervos particulares sobre diversas histórias.

Janaina de Luna, editora-chefe da Mino. Foto: Letícia Vieira.

Apesar de ter um público tão variado e histórias de diversos gêneros, o universo dos quadrinhos ainda assim tende a excluir as mulheres. De acordo com a Marvel, uma das maiores editoras no segmento de HQs de super-heróis, as mulheres constituem cerca de 40% do seu público. Ainda assim nas palavras do vice-presidente de vendas e marketing da editora, David Gabriel, o público da Marvel não quer ver diversidade nos quadrinhos que consomem. “O que ouvimos foi que as pessoas não queriam mais diversidade. Eles não queriam personagens femininas lá fora. Vimos as vendas de qualquer personagem que fosse diverso, nossos personagens femininos, qualquer coisa que não fosse um personagem principal da Marvel, as pessoas estavam virando o nariz contra. Isso foi difícil para nós, porque tínhamos muitas ideias frescas, novas e excitantes que estávamos tentando e nada de novo realmente funcionou.”, declara David Gabriel.

 

Além de sofrerem com a falta de interesse pelo público masculino, as autoras de histórias em quadrinhos sofrem com a percepção de que criam apenas histórias fofas e românticas. As personagens femininas tendem a ser hipersexualizadas ou terem suas histórias desenvolvidas para servirem de apoio para um homem protagonista e quando são escritas para serem personagens fortes fisicamente, são vistas em roupas que não condizem com a ação, parecendo que estão presentes apenas para satisfazerem os fetiches dos homens que leem essas histórias.

 

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Ser mulher em qualquer mercado é difícil. No quadrinho está melhorando, não porque os caras são muito legais, mas porque a gente está gritando muito.”

A questão de gênero nos quadrinhos reflete a desigualdade e as relações de gênero na sociedade. As mulheres que criam e consomem HQs enfrentam as dificuldades de estarem envolvidas em um ambiente historicamente masculino e fazer com que o seu trabalho seja respeitado e levado a sério.

Apesar disso, o empoderamento das mulheres na sociedade também está refletindo no universo dos quadrinhos. Segundo a análise de Janaina, o papel das mulheres na criação e no consumo dos quadrinhos vêm crescendo consideravelmente porque elas estão compreendendo e exigindo sua participação. “Ser mulher em qualquer mercado é difícil. E eu acho que o quadrinho está melhorando, não porque os caras são muito legais, mas porque a gente está gritando muito. Aos poucos a gente vai entendendo o que é o poder do consumo. Então quando as mulheres, que são em muitos segmentos, o maior público consumidor de quadrinhos, falam que não vão comprar tal HQ porque está muito sexualizada e que vão boicotar, a indústria repensa muito bem como fazer essas histórias”.

Editora Mino. Foto: Letícia Vieira.

A falta de representatividade nos quadrinhos afastou as leitoras desse mercado, as mulheres não se identificavam com as histórias em que a personagem feminina parecia fora da realidade. Contudo, graças ao avanço em relação às questões de gênero é possível visualizar uma mudança gradativa desse cenário. As mulheres estão se sentindo mais confortáveis em abraçarem o talento como escritoras e desenhistas para construírem histórias que fogem do estereótipo fofo e romantizado, além de darem a opção de histórias realmente relevantes que trazem a mulher em papéis realmente relevantes. “Talvez daqui a dez anos a gente já tenha muito mais mulheres trabalhando há seis, sete anos com quadrinhos o que me deixa muito esperançosa. Mais da metade dos autores iniciantes incríveis são mulheres”. Conclui Janaína.

Mesmo que ainda haja preconceito e que as mulheres ainda sejam vistas como um grupo que não pertence a cultura dos quadrinhos por parte do público masculino, cada vez mais mulheres investem na profissão de quadrinistas, mais mulheres vão a feiras, mais mulheres falam com propriedade sobre o assunto e mais mulheres reivindicam a sua participação como consumidoras apaixonadas  por essas histórias.

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O caminho profissional escolhido por Deborah Salles e Renata Lazzarinni guarda semelhanças não só pela formação, ambas designers,mas também pela área que escolheram atuar: histórias em quadrinhos.

Deborah, 23 anos, faz histórias em quadrinhos desde 2016. Começou a desenhar quando criança,lia HQs esporadicamente durante a adolescência, mas deixou o hobbie de lado até que se viu sem motivo para continuar desenhando. Desde então, Deborah resolveu contar sua vida a partir das páginas dos quadrinhos como forma de dar vazão para seus sentimentos e voltar a desenhar seguindo uma rotina.

Renata Lazzarinni também começou a desenhar quando criança, aos sete anos. Nas férias escolares, seus pais a matriculavam junto de sua irmã em diversos cursos e a partir daí surgiu o interesse pelo desenho. Até os 13 anos, Renata odiava desenhar porque nunca havia aprendido, gostava apenas de ler, mas no ensino médio a história mudou. “No segundo ano surgiu a vontade porque eu fiz uma poesia, ‘Escuridão’, que foi escolhida para o livro da escola. Eram sempre três ou quatro poesias de série que eles escolhiam para esse livro e eu achei que o quadrinho ficaria legal, e em uma noite o quadrinho ficou pronto”, relembra Renata.

Estudante de História da Arte pela Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP), Jéssica Groke conta que a escolha pelo curso não está relacionada com a paixão que tem por quadrinhos desde pequena, quando lia Turma do Mônica, mas que indiretamente, o curso a ajuda muito no seu trabalho. Apesar de ter sido fã das HQs de super-heróis na época do ensino médio, percebeu depois de algum tempo,que esse tipo de quadrinho já não fazia muito sentido para o que ela esperava, e foi então que começou a conhecer e consumir quadrinhos independentes. “Descobri as HQs nacionais e independentes e descobri que quadrinhos não precisavam ser apenas sobre super-heróis. Descobri também HQs européias e eu acho que foi quando eu entrei e não sai mais, meu interesse permanece até hoje”, recorda Jéssica.

Renata no Festival Guia dos Quadrinhos. Foto: Leonardo Vaz.

O MERCADO EDITORIAL TAMBÉM É DELAS!

O processo de contar sua vida através dos quadrinhos impulsionou Deborah a seguir a carreira de quadrinista, seu primeiro trabalho, “Quase Um Ano”, foi um fanzine que escreveu, desenhou, imprimiu e vendeu por conta própria.

Atualmente Deborah está produzindo um gibi sobre uma banda que está lançando um álbum em homenagem a Dorival Caymmi. “É muito instável isso, não tem um processo que eu sei muito como funciona, acho que nunca vai ficar claro também, essa coisa de convites para trabalhar. Acho que ou sou eu batendo na porta, fazendo mais projetos para as pessoas me chamarem para as coisas ou não aparece”, declara Deborah sobre as oportunidades de trabalho. Para ela as redes sociais, principalmente o Instagram, são as principais ferramentas de divulgação do seu trabalho.

Jéssica descobriu que queria trabalhar como quadrinista através da afeição que tem pela escrita e por desenho. Após sete anos consumindo quadrinhos, ela percebeu que teria capacidade para produzir e trabalhar com isso. “Depois de beber muito deste universo e conhecer as HQs autorais, eu achei que poderia fazer isso. Eu pensei ‘eu consigo criar sozinha uma história e uma narrativa gráfica interessante’ e no início de 2017 eu estava cansada de ler e resolvi criar as minhas próprias histórias”, afirma Jéssica. No último Festival Internacional de Quadrinhos (FIQ), que aconteceu em Belo Horizonte, Jéssica lançou seu primeiro quadrinho autoral ‘Me leve quando sair’, participando também de sua primeira feira.

Trabalhos de Jéssica Groke. Fotos: Arquivo pessoal da artista.

Janaína de Luna que estudou cinema e trabalhou no mercado audiovisual como roteirista e redatora, nunca havia atuado com o mercado editorial e quadrinhos. A ideia de montar a Editora Mino, a qual é dona, surgiu da paixão que ela e seu ex-marido têm por HQs. Os dois resolveram colocar o plano da Mino em prática para lançar um quadrinho de Luciano Salles, e já faz três anos que a editora vem dando certo.Por ter experiência com negócios bem sucedidos, Janaína conta como identificou o público de sua editora: “Eu passei um tempo antes estudando o negócio do mercado de quadrinhos. Eu fiz pesquisa, me inteirei e estudei bastante para montar um modelo de negócio antes de abrir uma empresa. Apesar de você gostar de quadrinhos, isso é uma coisa muito importante, é um negócio como outro qualquer, então você tem que pensar nele como um negócio.”

Para Renata, a escolha pela profissão de quadrinista surgiu antes mesmo de entrar na faculdade. “Eu acabei escolhendo a faculdade de design porque tinha aula de histórias em quadrinho na grade, com um quadrinista conhecido, o Luiz G. E quando eu entrei na faculdade eu resolvi entrar realmente num curso de quadrinhos para poder aprimorar, para entender como funcionava a linguagem e não ficar fazendo aquela coisa fechadinha, certinha”, declara Renata.

Seu Trabalho de Conclusão de Curso, Morteu, foi o que impulsionou sua carreira. Renata experimentou a sensação de não saber se estava indo no caminho certo e se o seu trabalho era realmente bom, mas com a ajuda de seu namorado na época, ela resolveu se apresentar para alguns quadrinistas em uma pequena feira de quadrinhos independente na Casa das Rosas, em São Paulo.

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Apesar de gostar de quadrinhos, isso é uma coisa muito importante, é um negócio como outro qualquer, então você tem que pensar nele como um negócio.”

Lá, Renata conheceu Franco das Rosas e Marcartti e seu trabalho foi bastante elogiado. Ganhou um quadrinho de terror com cerca de 100 páginas, mas em troca deveria visitar o lançamento de uma revista, que mais tarde ficou sabendo se tratar da ‘Periquitas, volume 1’, produzida apenas por mulheres, exceto pelo editor que era o Franco. Neste lançamento Renata teve a oportunidade de conhecer a quadrinista Germana Viana, com quem criou amizade e por quem foi guiada no início de sua carreira.

Renata chegou a participar de mais de seis feiras de quadrinhos desde 2015, dentre elas a ComicCon, FIQ, Festival Guia de Quadrinhos, Juntageek, em Ribeirão Preto, e Conferência NerdCon.

EDITORA DA MARVEL FALA SOBRE SUA CARREIRA NA ÁREA EDITORIAL
PROCESSO DE CRIAÇÃO

O processo de criação das profissionais de HQ é bem diversificado. Enquanto uma quadrinista assume ter brincado de boneca até os seus 18 anos, e que colocava as bonecas como personagens de suas histórias, como compartilha Renata, outra profissional já acredita que não fazendo roteiros fechados para seus trabalhos acaba dando mais certo, segundo Jéssica que ainda está descobrindo seu processo de criação.

“Eu tenho a ideia inicial, algumas cenas que tenho na minha cabeça eu escrevo e estruturo esse roteiro. Eu utilizo várias folhas em branco e escrevo coisas que eu imagino que terão na história, como diálogos, frases, etc.”, compartilha Jéssica.

Groke também acredita que seja importante definir o estilo de desenho que será realizado, antecipando e estabilizando como ele surgirá e permanecerá na história. “O estilo de desenho é muito importante na narrativa. Ele pode mudar o tom da história, então antes de começar eu já vou analisando. Meu estilo não é algo sólido que eu vou fazendo sempre igual”, afirma Jéssica.

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O estilo de desenho é muito importante na narrativa. Ele pode mudar o tom da história, então antes de começar eu já vou analisando.”, afirma Jéssica.

Desenhando apenas em papel, Deborah acredita que o digital ainda é muito difícil para ela. “Eu gosto também da mão, porque tem muita coisa para treinar, o campo é bem infinito”, compartilha Deborah.

Na Editora Mino, o processo editorial acontece de duas formas diferentes. Janaína explica que existe a publicação feita em conjunto com o autor, então reunidos realizam reuniões para estruturar todo o projeto. Já a outra publicação, acontece quando Janaína faz a tradução de um livro que já está pronto e apenas edita o texto. “No caso do quadrinho europeu, americano ou canadense que já está pronto, você vai traduzir e adaptar ele. Vai fazer uma edição diferente, um projeto gráfico diferente e vai lançar, mas você não teve participação no projeto, não discutiu ideias, apenas traduziu e adaptou”, declara Janaína.

PRECONCEITOS E DIFICULDADES

O fato de ser mulher e trabalhar com quadrinhos geram preconceito e dúvidas. Para Jéssica, existe uma pressão muito maior por ser mulher e trabalhar em qualquer área, não apenas a dos quadrinhos. A quadrinista relata que sofre com a chamada síndrome do impostor.  “Tem aquela coisa de nunca achar que você é boa o suficiente, nunca achar que você é capaz e nunca ter segurança. Eu tenho amigos que trabalham com quadrinhos desde os 15 anos, e eu demorei sete anos para ter coragem de dizer: ‘eu acho que eu sou capaz’. Se eu fosse homem, eu já teria começado há sete anos”, confessa Jéssica.

Groke também comenta que em certos momentos, quando pede ajuda de algum homem que já tenha certa experiência na área, eles acabam não a levando sério, passando a impressão de que nunca estão no mesmo nível de profissionalismo, nem que são colegas de trabalho.

Outra dificuldade enfrentada por mulheres que consomem HQ’s é a necessidade de precisar “provar” seus conhecimentos sobre o assunto.  “Principalmente no ramo de quadrinhos de super-heróis, era um lugar super hostil. A sua inteligência está sendo questionada o tempo todo, você tem que estar se provando o tempo todo. Quando eu curtia super-heróis,  ia em eventos e queria conversar com pessoas sobre isso, os caras faziam com que eu provasse que sabia de quadrinhos. Muitos me perguntavam ‘ah, então quem é tal do volume 52?’. Eu tinha sempre que provar que gostava daquilo tanto quanto os meninos”, desabafa Jéssica.

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Tem aquela coisa de nunca achar que você é boa o suficiente, nunca achar que você é capaz e nunca ter segurança.”

Segundo Renata e Deborah, quando relacionam a profissional de quadrinho e ser mulher, acabam criando uma imagem de que o produto realizado por elas será romântico ou fofo. “Passam reto pela nossa mesa. Quando a gente chama, eles falam que não gostam de romance”, afirma Renata, que produz quadrinhos de terror. “Eu acho que as pessoas geralmente esperam um desenho fofo de mulher, isso me incomoda um pouco. Esperam um desenho, e meu desenho não é nem um pouco agressivo ou violento, acho que ele até pode ser chamado de fofo em alguns sentidos, mas é chato isso de às vezes você não querer muito falar sobre o seu quadrinho ser um quadrinho de mulher”, declara Deborah.

“Apesar de ter muita mulher consumindo quadrinho, no nosso segmento os homens ainda são maioria”, declara Janaína, que repara a quantidade de homens nos eventos que participa.

Outras dificuldades acabam aparecendo quando se trabalha com quadrinho, além do preconceito contra as mulheres. Para Janaína a maior dificuldade que existe neste ramo é de que os brasileiros não lêem. “A gente tem a maior parte da população que não consegue entender o que está lendo. Tem pessoas que não conseguem ler um texto de uma Tititi, sabe, ‘Tititi’ que eu falo é aquela revista horrível, as pessoas não conseguem. Eu não consigo imaginar nada que seja efetivo para resolver nosso mercado de livro que não passe por uma questão política educacional”, afirma Janaína.

Feiras de quadrinhos evidenciam desigualdade de gênero no universo dos quadrinhos. Foto: Leonardo Vaz.

PANORAMA E AVANÇO DAS PROFISSIONAIS EM QUADRINHOS

O cenário das mulheres que produzem conteúdos de quadrinhos já existe há muito tempo, mesmo não sendo tão manifestado para as pessoas, visto que a os produtores deste tipo de conteúdo seja predominantemente masculino.

Segundo a matéria realiza em 2016 pela Revista Correio Braziliense, desde o século 19 existem quadrinistas produzindo diferentes projetos, sendo a pioneira Jackie Ormes. Já no Brasil os primeiros quadrinhos lançados por mulheres aconteceram em meados do século 30, idealizado por Patrícia Galvão que divulgou mais de três tiras.

A quadrinista Lovelove6, em entrevista para a Revista Correio Braziliense também revelou que era muito difícil ser mulher e quadrinista, mas com a rede de apoio pela internet, o feminismo vai tendo uma visibilidade bem maior na sociedade.

Segundo Ediliane Boff, que realizou sua tese de doutorado sobre s representações femininas nos quadrinhos, em entrevista para a Revista Fórum em 2014, afirma que as produções feitas por mulheres no Brasil são mais recentes, mas que o espaço para que isso aconteça com frequência é mais amplo. Ainda que no Brasil o público masculino seja majoritariamente produtor deste conteúdo, em outros países como Japão e Estados Unidos, a produção feita por mulheres é mais comum.

Renata Lazzarinni acredita que existe sim um avanço com a participação de mulheres quadrinistas em feiras e eventos de quadrinhos, e que isso acontece com o acesso à internet, assim como afirma Lovelove6, pois acabam conseguindo se unir mais e colocar mais voz no mundo. “A gente monta coletivo, e se dá para escolher a mesa que vamos ficar nos eventos, a gente resolve fazer um paredão só das mulheres”, declara Renata.

Segundo Lazzarinni, existe um avanço se compararmos com as feiras que aconteceram anteriormente. No Festival Guia dos Quadrinhos de 2015, por exemplo, que só havia a Germana de mulher expondo como quadrinista. Ano retrasado houve a participação de Renata, e já no ano passado tiveram Renata, Germana e mais duas mulheres expondo seus trabalhos em feiras. O que significa que com o passar do tempo, o trabalho das mulheres está sendo reconhecido e o esforço que elas fazem para se fazerem ouvir está dando certo.

OBJETIFICAÇÃO

DA MULHER NOS QUADRINHOS

Curvas avantajadas, posições sensuais, além de roupas curtas, justas e desconfortáveis. É assim que muitas personagens femininas de histórias em quadrinhos são retratadas. E não é preciso ir muito fundo no mundo das HQs para poder constatar esse padrão.

Em 2014, a Marvel Comics protagonizou um dos mais recentes casos polêmicos envolvendo a sexualização de personagens femininas. Na capa de estreia da heroína Mulher-Aranha (Spider-Woman), a personagem era retratada em uma pose erótica.

Após duras críticas do público, o editor-chefe Alex Alonso se retratou com as fãs de HQs e disse que a editora buscava ser cada vez menos sexista. Impulsionadas pelo empoderamento feminino, as mulheres têm buscado cada vez mais espaço e cobrado representações menos objetificadas no mundo dos quadrinhos.

Durante muito tempo, o universo das HQs era restrito ao público masculino, produzido por eles e para eles. Hoje, com questões da pauta feminista latentes na sociedade, chegou a hora desse cenário mudar.

UM BREVE CONTEXTO HISTÓRICO

No ano de 1941, o mercado editorial de histórias em quadrinhos ganhava sua primeira super-heroína, a Mulher Maravilha. Criada por William Moulton Marston, a personagem nasceu após o psicólogo perceber que o mercado oferecia apenas heróis homens, e que as mulheres não possuíam uma figura para se espelharem e representa-las.

Mulher Maravilha foi um sucesso, mas não entre o público que Marston esperava. Os garotos passaram a consumir as histórias da personagem por acha-la sexy e seus traços atraentes.

A partir de então, personagens femininas surgiram e ganharam quadrinhos solos. A Marvel investiu na Mulher Invisível, Jean Grey e Viúva Negra. Já a DC apostou na Canário Negro, Supergirl e Zatanna.

Fisicamente espetaculares, sempre maquiadas, com os cabelos impecáveis e vestidas com maiôs ou saias e salto alto, as heroínas de quadrinhos faziam sucesso, mas sempre em contextos machistas.

Apesar do sucesso entre o público masculino, as HQs solos com heroínas não atingiam nem a metade do percentual de lucro arrecadado pelos quadrinhos com protagonistas masculinos.

Personagens como a Princesa Diana precisaram de décadas para alcançar o status que tem hoje. “A Mulher Maravilha tinha pontos fracos ridículos. Se um homem tocasse nela, ela perdia os poderes. Antigamente, ela era um membro muito importante da liga da justiça, mas, no começo, ela era a secretária da liga, enquanto os outros iam para as missões.”, comenta Nick Lima, editora da página Girls of Comics.

Com o passar do tempo, a pressão das mulheres por espaço e representatividade trouxe uma mudança de pensamento, que vem sendo cada vez mais absorvido e aceito pela sociedade. No entanto, parte da indústria editorial ainda insiste em manter o padrão de objetificação da mulher.

PANORAMA ATUAL​​

Com o aumento do interesse feminino por histórias em quadrinhos e inserção de mulheres nesse mercado editorial, o panorama atual é um pouco melhor do que se via há 70 anos atrás. “Eu vejo muitas mulheres também publicando quadrinho e fazendo as personagens femininas da forma que elas acham que são, vivem e veem. Existem personagens ainda objetificadas, ainda com a visão do fetiche masculino, mas também tem as mulheres de verdade, mulheres com físico que você diz que é real. Eu acho que a visão feminina tem ajudado muito mais a construir personagens fortes que não estão lá só para realiza os fetiches.”, analisa Camila Padilha, quadrinista e roteirista.

Ainda que parte da indústria insista em sexualizar as personagens femininas, existe também um movimento de repaginação das antigas heroínas de histórias em quadrinhos. Clarissa Gasparin, editora da página Girls of Comics, fala sobre o novo visual de Carol Denvers, a Capitã Marvel. "Ela começou como Miss Marvel, usava um maiô preto e só. Agora, ela trocou sua alcunha para Capitã Marvel, fazendo referência ao percursor dela que é o Capitão Marvel. Ela queria passar um ar de seriedade, voltado ao porte militar, uma vez que ela atua na aeronáutica. Agora ela tem um uniforme condizente, lembra um pouco mais uma pegada militar.", conta.

Dentro desse cenário, os fãs mais conservadores ainda são extremamente resistentes em aceitar as novas mudanças das personagens femininas. "A Capitã Marvel também cortou o cabelo. Já vi até gente falando que agora ela está lésbica agora, só porque ela está com o cabelo curto, estilo militar.", relata Clarissa.

Outro caso recente ocorreu com o anuncio da nova interprete de Mulher Maravilha para a adaptação dos quadrinhos para o cinema. A escolha pela atriz Gal Gadot ao papel recebeu diversas críticas, pois o público considerou Gadot muito "magrela" para interpretar a princesa das amazonas. Esse fato ilustra com clareza como o físico e a aparência sexualizada das personagens femininas nas HQs ainda é fator crucial para parte dos consumidores.

Nas histórias traços acentuam formas do corpo feminino e hipersexualizam a figura feminina. Foto: Reprodução

REPRESENTAÇÃO E IDENTIFICAÇÃO

Apesar de existirem, muitas leitoras de HQs não se sentem representadas pelas personagens femininas. "Nunca me senti muito representada. A minha ligação com as personagens femininas de quadrinhos ela era muito mais com a Mônica e com a Misty, que era uma personagem da Trina Robbins e teve poucas edições nos anos 80. E, posteriormente, eu me identificava com algumas personagens do X-men porque eu assistia os desenhos.", conta Daniela Marino, pesquisadora de histórias em quadrinhos e colunista do site Minas Nerds.

Para Clarissa e Nick, o principal ponto que afasta as personagens femininas da identificação das mulheres é a representação dos corpos e a falta de personalidades das haroínas. "Eu não me sinto muito representada porque eu penso na questão de identificação. E nesse sentido, eu não consigo me identificar com as personagens femininas. Seja por questão do corpo padrão, de estética, ou seja por questão de personalidade. Eu ainda acho que precisa existir mais heroínas como, por exemplo, a Kamala, que fala mais com você, tem uma linguagem mais jovem. Eu acho que está se formando um caminho para ser seguido, mas a gente ainda não chegou lá.", diz Clarissa.

No entanto, com mais mulheres trabalhando na criação e desenvolvimento das HQs, hoje ficou mais fácil encontrar alternativas de personagens femininas representativas no mercado. "Se forem personagens feitos por mulheres, eu até me identifico mais, porque me vejo nisso. Tem a Garota Siririca, da LoveLove6, por exemplo.", revela Camila.

CAMINHOS E POSSÍVEIS SOLUÇÕES

Para Clarissa, uma das formas de quebrar o padrão de objetificação da mulher nas histórias em quadrinhos é não se calando. “A gente sabe que se está acontecendo esse movimento de problematizar a objetificação das mulheres, e isso está impactando as HQs, é porque faz sentido e somos ouvidas.”, comenta.

Outro aspecto que faz toda a diferença é ter cada vez mais mulheres trabalhando na criação e desenvolvimento das histórias em quadrinhos. Segundo Axel Alonso, editor-chefe da Marvel Comics, o corpo editorial da empresa é constituído por 30% de mulheres. "É preciso se unir, quando ver eventos e outras coisas ligadas aos quadrinhos que só tenham homens incluídos, cutuquem, peçam, perguntem onde estão as mulheres e quadrinistas, porque a gente fica muito de fora.", relata Camila.

“Você precisa de mulheres na produção dessas mídias. Se as mulheres estiverem lá dentro, e do lado de fora como público consumidor também, as vozes delas serão ouvidas pelas pessoas que precisam escutar, que são os homens que estão no poder e que acham isso normal.”, finaliza Clarissa.

EXPERIÊNCIA

DAS LEITORAS DE QUADRINHOS

EXPERIÊNCIA

DAS LEITORAS DE QUADRINHOS

O universo de quadrinhos, formado por fãs da leitura e profissionais da área, possui uma forte presença masculina. Apesar de não existirem pesquisas complexas relacionada ao assunto sobre o cenário nacional, em 2015, o blog Papo de Quadrinho, especializado no tema, levantou que o número de leitoras mulheres no Brasil era de quase um terço do total, 31%. A pesquisa, que conversou com 2.273 pessoas, ainda aponta que o leitor médio de quadrinhos  é do sexo masculino, tem entre 25 e 39 anos e reside na região Sudeste do país.

 

No entanto, a presença feminina neste contexto não é de hoje. Em 1937, a afro-americana Jackie Ormes publicava a primeira história em quadrinhos feita por uma mulher nos Estados Unidos, chamada Torchy Brown in Dixie to Harlem. Quatros anos depois, surgiria uma das figuras femininas mais relevantes deste universo, a Mulher-Maravilha, da editora DC Comics. A personagem é um dos marcos dentro dos gibis e para a cultura pop de uma maneira geral. Um dos exemplos disto foi a nomeação da personagem como Embaixadora da Organização das Nações Unidas (ONU) para promover o empoderamento de mulheres e meninas, em 2016.

Foto: Reprodução

Para quem está do outro lado, as leitoras, também existem relatos de resistência dentro de um cenário dominado pelo público masculino. Melissa Andrade, de 34 anos, conta que seu interesse maior pela leitura de HQs surgiu após o sucesso dos filmes da Marvel. “O interesse começou em 2008 quando anunciaram o filme do Homem de Ferro. Sou curiosa para saber a origem das coisas e minha busca por quadrinhos da Marvel começou aí.”, revela. Semelhante ao que aconteceu com Franciely Andrade, de 24 anos. Ela diz que passou a se interessar por HQs após se tornar fã do Universo Cinematográfico Marvel, franquia de mídias como cinema e séries num universo compartilhado baseados nos personagens de quadrinhos da editora Marvel.

A criação recente de filmes e séries inspiradas em personagens mulheres certamente cativou o público feminino. A série Supergirl, produzida pela rede de televisão americana CW, tem uma linguagem jovem e divertida, além de mostrar uma personagem tão forte quanto o consagrado Superman, mas na versão mulher. Ainda, o sucesso do filme Mulher-Maravilha, lançado em 2017 e que alcançou US$ 821,9 milhões em bilheteria, a quinta maior dos filmes de super-heróis, potencializou essa figura empoderada de personagens femininas e chamou atenção de leitoras para os quadrinhos de onde essas personagens surgiram.

Dentro do gigante Universo Cinematográfico Marvel, responsável pela liderança absoluta de filmes de super-heróis e popularização do gênero nos últimos 10 anos, as mulheres também têm aparecido – mesmo que timidamente. No filme Os Vingadores, a atriz americana Scarlett Johansson dá vida para a personagem Viúva-Negra, uma espiã que surgiu nos quadrinhos em 1964, criada por Stan Lee. Ela é acompanhada pela Feiticeira Escarlate, interpretada por Elizabeth Olsen. No outro grupo de heróis do estúdio, Os Guardiões da Galáxia, Zoë Saldaña dá vida para a Gamora.

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Mesmo que o público feminino seja considerável, agora ele se mostra mais presente devido à atenção que as produtoras estão dando à quadrinhos e filmes protagonizados por mulheres”, diz Franciely.

Para 2019, a Marvel investirá em seu primeiro filme protagonizado por uma mulher – fato já realizado pela DC Comics, com Mulher-Maravilha. Capitã Marvel, previsto para ser lançado em março do próximo ano, contará a história de Carol Denvers, super-heroína criada em 1968 pelo roteirista Roy Thomas e pelo desenhista Gene Colan. A atriz Brie Larsson dará vida para a personagem e o filme será dirigido por Anne Boden.

 

No que se diz respeito à leitura, Franciely prefere quadrinhos da Marvel – reflexo do sucesso da editora em outras plataformas. Para ela, os personagens que possuem conflitos pessoais são mais interessantes. “Meu quadrinho favorito é Capitão América, do roteirista Ed Brubaker. A história deu uma nova cara ao personagem e eu amei”. Já Melissa aponta que se incomoda como a figura feminina é tratada em algumas histórias. “O título Mulher Maravilha Terra Um, do Grant Morrison, me incomodou bastante. Toda a sexualização em cima da personagem me irritou profundamente”, desabafa.

A questão da sexualização de corpos nas histórias em quadrinhos é uma questão recorrente deste universo e não ocorre apenas em corpos femininos. É comum ver a glamourização de corpos masculinos em boa parte das principais publicações tanto da Marvel quanto da DC, hegemonias no segmento.

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Toda a sexualização em cima da personagem me irritou profundamente."

Capa do quadrinho "Mulher Maravilha Terra Um". Foto: Reprodução

De acordo com o artigo “A Representação Social e a Sexualização nos Quadrinhos”, dos autores Gabriel Cunha e Ricardo Lucas, publicado em 2015, a forma como os personagens são retratados nos quadrinhos pode influenciar a visão do leitor sobre a figura em questão na vida real e a revista possui responsabilidade social por se tratar de um produto cultural, que é consumido em massa. “Cremos que quando uma revista em quadrinhos, produto cultural, ignora tal responsabilidade e, como costuma ser pautado pelas normas do consumo de massa, foca apenas na fórmula “que vende mais”, sem se preocupar com a forma como um ser humano é retratado e estabelecendo estereótipos ofensivos e desgastados, acaba por ferir a dignidade do ser humano”, afirmam.  

 

O artigo ressalta que existe uma problemática ainda maior quando o assunto é sexualização feminina nos quadrinhos por parte dos quadrinistas. Exemplo claro disto é a forma como personagens são desenhadas para funcionarem como uma espécie de objeto na história. Em Guerra Civil, publicação da Marvel escrita por Mark Millar e desenhada por Steve McNiven, publicada em 2006, a personagem Mulher-Hulk é retratada de forma extremamente sexualizada e sem motivo aparente. De acordo com Gabriel e Ricardo, isto é prejudicial para a integridade da narrativa além de afetar negativamente a figura da mulher.

Atitudes machistas também estão presentes nas relações entre o público consumidor de quadrinhos. Melissa aponta que, apesar de consumir quadrinhos há 10 anos, precisa se auto afirmar quase que o tempo inteiro. “Acho que a maioria das mulheres leitoras de HQ passaram ou vão passar (infelizmente) por alguma situação desconfortável ou machista. Na qual tenhamos que mostrar ‘nossa carteirinha de nerd e leitora de quadrinhos’”, diz. Ela ainda reforça que o ambiente não é sadio para as mulheres, mas gosta de pensar que aos poucos as coisas estão caminhando para a mudança.

Representação do corpo feminino e masculino nos quadrinhos ganham significados diferentes. Fotos: Reprodução

A RESISTÊNCIA

Hoje, é indiscutível como as redes sociais pautam a vida das pessoas. Segundo informações contidas no Facebook, em 2017, a plataforma contava com mais de 100 milhões de usuários brasileiros.

Os espaços online também possibilitaram o engajamento de grupos e páginas que buscam quebrar certos estereótipos e tabus ainda existentes na sociedade. Entre eles, os de mulheres que consomem histórias em quadrinhos.

Como sinônimo de autoafirmação, os administradores dessas comunidades utilizam o ambiente virtual para enaltecer personagens femininas das HQs, discutir questões como a objetificação do corpo feminino nos quadrinhos e desconstruir preconceitos.

Por meio da problematização e fomentando o debate de ideias, as páginas se tornaram verdadeiros símbolos de resistência e combate ao senso comum de que HQ é “coisa de menino”.

O NASCIMENTO

A página Girls of Comics é uma das que buscam o empoderamento das minorias nas histórias em quadrinhos. Independente do nome se referir às mulheres, os administradores também compartilham postagens sobre personagens LGBTQ+, negros e outros grupos pouco ou mal representados. "A página foi criada por um grupo de pessoas que tinham páginas de super-heroínas separadas. Eles decidiram juntar as páginas, e criou-se uma para falar sobre todas. Conforme as curtidas foram crescendo, pessoas com outros gostos foram surgindo. Hoje, nós falamos de tudo um pouco, abrangemos outras minorias, mas continuamos focados nas personagens femininas.", conta Nick Lima, editora da página.

Outros espaços surgem da frustração de garotas que participam de grupos focados em quadrinhos, majoritariamente masculinos, serem diminuídas pelo simples fato de serem mulheres. "O Minas Nerds surgiu porque a Gabriela, que é uma aficionada por quadrinhos e tem uma coleção enorme de HQs, estava cansada de participar de grupos onde era interrompida ou ofendida.", relembra Daniela Marino, pesquisadora de quadrinhos e colunista do portal Minas Nerds.

Hoje, a Girls of Comic possui quase 370 mil curtidas e um grupo com mais de 11 mil participantes. Já o Minas Nerds contabiliza 40 mil curtidas e um grupo com 5 mil mulheres. O objetivo das páginas é oferecer um ambiente seguro para que as consumidoras de histórias em quadrinho possam falar sobre esse interesse sem serem humilhadas ou menosprezadas.

PÚBLICO MASCULINO

Apesar das redes sociais propiciarem a visibilidade feminina no universo dos quadrinhos, esse ambiente ainda é dominado pelo público masculino.

Para Nick, a boa relação com os seguidores homens da Girls of Comics se deve por serem majoritariamente integrantes da comunidade LGBTQ+. "Para começar, 90% do nosso público masculino é LGBT. Ou é bissexual, gay, pansexual ou homem trans. Tem um ou outro que é heterossexual e cisgênero, mas são bem poucos.", relata a criadora de conteúdo.

Daniela conta que, com o debate do empoderamento feminino em voga, a relação do site e da página Minas Nerds com os homens é pautada pelo respeito, mas ainda há os chamados haters, internautas que postam comentários de ódios em publicações contrárias a suas ideias. "Cerca de 45% dos leitores do Minas Nerds são homens. Existe uma parcela de leitores de quadrinhos e do site que tem um respeito muito grande pelo Minas. Mas tem também, obviamente, haters. São pessoas que, basicamente, são contra a diversidade, contra a inserção das mulheres no mundo dos quadrinhos. No entanto, eles raramente comentam na página.", declara a colunista.

Mesmo entre os administradores das páginas, existem aqueles que acreditam que a mulher tem um lugar pré-determinado dentro do universo nerd, e esse não deve ser o de destaque. "A criadora de uma das nossas páginas parceiras relata que sofre preconceito com os próprios colaboradores dela. Às vezes, ela precisa até retirá-los porque eles acham que uma página de games não pode ser administrada por uma mulher.", admite Nick.

É comum também as administradoras terem seu conhecimento sobre HQs testado, simplesmente, porque o público masculino acredita que mulher não entende de histórias em quadrinhos. "Uma vez entrei em uma loja de figures, estava com uma camiseta da Marvel que tinha todos os heróis. Um cara me parou e veio perguntar se eu sabia falar o nome de todos eles, como se quisesse me testar.", comenta Clarissa Gasparin, criadora de conteúdo da Girls of Comics.

Atitudes como essa não se limitam apenas ao mundo dos quadrinhos. Dentro do universo nerd como um todo, as mulheres frequentemente enfrentam comportamentos preconceituosos em relação ao seu interesse por produtos culturais apontados como “coisas de menino”. "Já fiz postagem sobre isso na página. Muitas mulheres relataram que não podem nem vestir uma camiseta de quadrinhos, banda de rock ou game porque sempre vem alguém testar o conhecimento delas sobre o assunto, achando que ela está usando a roupa por ser modinha e não porque é fã.", afirma Nick.

OS ATAQUES

Em um contexto onde o debate de ideias ganhou força nas redes sociais, outro fenômeno passou a ser tão comum quanto a problematização de aspectos da vida em sociedade: o hater.

Não é difícil encontrar em páginas e grupos pessoas que fazem comentários com palavras de ódio e xingamento. Por ser uma ação tão corriqueira no mundo virtual, esses internautas foram batizados como haters, palavra inglesa que significa “aquele que odeia”. "Tem vezes que você também precisa usar da autoridade, quando algumas pessoas começam a realizar comentários machistas ou LGBTfóbicos, e banir da página", diz Clarissa.

Além de comentários agressivos, outra técnica utilizada por esse grupo é a exposição e chacota daqueles que possuem o pensamento divergente do seu. "Nós sofremos ataques constantemente. Inclusive, tivemos que refazer o grupo do Girls of Comics para torná-lo mais seguro. Uma outra página se infiltrou na nossa comunidade e estavam tirando prints das conversas privadas para publicar e zuar em outro grupo.", revela Clarissa.

Página Girls of Comics recebe comentários ofensivos na internet. Foto: Reprodução.

Geralmente, os ataques acontecem em resposta a uma foto ou opinião publicada nas redes sociais que vão de encontro com uma ideologia fortemente enraizada nos haters. "Já aconteceu de um site extremamente misógino e racista expor a mim e a Gabriela como se fossemos um câncer na página deles.", conta Daniela.

Para quem sofre com os ataques, os danos são nocivos. Os assédios e perseguições violentas impactam diretamente na autoestima e na produtividade dos administradores das páginas. "Muitas pessoas que trabalham conosco vivem se desanimando por causa dos comentários negativos que recebemos só porque falamos de personagens femininas. Tem alguns criadores de conteúdo que param de postar por semanas. Para trabalhar nesse meio, você tem que ser forte e se segurar bastante.", confessa Nick.

Para Clarissa, apesar de todo o efeito negativo que os discursos de ódio geram, acreditar no trabalho que se faz é essencial para se manter firme nesse meio. "A gente tem essa força. Ficamos muito chateadas quando isso acontece, porque é um trabalho que a gente coloca muito carinho, pesquisamos muito, e vem uma pessoa que se acha entendida de HQ para menosprezá-lo, falar que mulher não lê histórias em quadrinhos. Mas, no fundo, estamos muito felizes com o nosso trabalho.”, desabafa a editora.

Comentários machistas sobre personagens femininas na HQ ainda compõem o ambiente virtual. Foto: Reprodução.

DESCONSTRUINDO O SENSO COMUM

Os debates, a troca de ideias e a propagação de conhecimentos incentivado pelas páginas e grupos nas redes sociais contribuem para a desconstrução de preconceitos e senso comum.

Para Daniela, os conteúdos produzidos por mulheres consumidoras de quadrinhos legitimam a voz feminina dentro do cenário das HQs. "A importância do Minas Nerds, assim como outros site e páginas de conteúdo que são produzidos por mulheres, vem justamente para mostrar que mulheres entendem e podem falar de quadrinhos e de nerdices tanto qualquer outra pessoa.", sentencia a pesquisadora.

Além disso, os trabalhos realizados por esses espaços colaboram para a divulgação do trabalho de mulheres na produção de HQs, outro setor que além de visibilidade, precisa de incentivo. "Buscamos também trazer visibilidade tanto para escritoras, quanto para quadrinistas. Temos mais de 16 listas de quadrinistas brasileiras. Porque se as mulheres não divulgam os trabalhos de outras mulheres, os sites mistos também não divulgam. Então, é fundamental que continuemos com a divulgação dos trabalhos femininos, porque você acaba sendo uma referência.", finaliza Daniela.

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